domingo, 26 de setembro de 2010

A Liberdade na Solidão...


Houve um tempo em que todos os dias eram iguais. Como um caminho conhecido, onde eu podia fechar os olhos, e mesmo assim não me perderia. Onde tudo em mim esperava. O dia certo da semana. A época do mês e do ano. Meus sonhos eram todos protocolados. Passaram a se chamar objetivos, e eram calmamente atingidos, um a um, na ordem certa. Até meu pensar era condicionado. Minha liberdade consistia em uma ampla prisão de grades invisíveis. Houve um tempo em que a segurança me sufocava. Em que olhei para meus dias perfeitos e tive vontade de chorar. Tive vontade de trocá-los por qualquer coisa mais dolorosa e mais solitária. Tanta certeza me enchia de dúvidas. E as dúvidas me faziam mal porque eu estava perdendo a coragem de ir atrás das respostas. E tive medo de nunca mais lembrar o que eu desejava ser. De morrer assim, tendo sido tão pouco. Tendo vivido de maneira tão confortável.

Dia de Chorar!!


Preciso sentar e chorar. Sem olhares e sem palavras sobre mim. Sem medo ou vergonha. Sem tentar entender o porquê disso que nem tristeza é. Chorar por tudo e por todos, e por mim mesma, e pelos anos que passaram, e pelos que virão. Como se eu colocasse todos os motivos possíveis - reais e imaginários - na minha frente e pudesse sofrer, e me lamentar, e me arrepender demoradamente por cada um deles. E depois que as lágrimas resolvessem deixar de cair, experimentando alívio ou não, acho que eu me sentiria mais livre.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010



QUER SABER O QUE EU PENSO?

Quer saber o que eu penso?

Você agüentaria conhecer minha verdade?

Pois tome. Prove. Sinta. Eu tenho preguiça de quem não comete erros.

Tenho profundo sono de quem prefere o morno. Eu gosto do risco. Dos que arriscam. Tenho admiração nata por quem segue o coração. Eu acredito nas pessoas livres. Liberdade de ser. Coragem boa de se mostrar. Dar a cara a tapa! Ser louca, estranha, linda, chata!

Eu sou assim. Tenho um milhão de defeitos. Sou volúvel. Sou viciada em gente.

Adoro ficar sozinha. Mas eu vivo para sentir. Por isso, eu te peço.

Me provoque. Me beije a boca. Me desafie. Me tire do sério. Me tire do tédio.

Vire meu mundo do avesso!

Mas, pelo amor de Deus, me faça sentir! Um beliscãozinho que for, me dê. Eu quero rir até a barriga doer. Chorar e ficar com cara de sapo. Este é o meu alimento: palavras para uma alma com fome.

Você agüentaria viver na montanha-russa que é meu coração?

Desculpa, nada é pouco quando o mundo é meu.


A Viagem

Através da janela eu espiava as estrelas que brilhavam cintilantes naquele dia de céu escuro. Filmes desconexos passavam apressados pela cabeça, e a paisagem lá fora, as árvores do cerrado que eu tanto apreciara das outras vezes, se afiguravam sombrias, emudecidas. Nesses momentos é comum refletir sobre a vida, fazer planos, ter saudade dos que ficaram na rodoviária com lágrimas nos olhos.

O passageiro ao meu lado abre e começa a devorar o pacote de biscoitos de polvilho, não sem antes ter-me oferecido alguns, com a boca já cheia. A criança inquieta que viajava ao lado da mãe, nas poltronas da frente, também decide abrir o saquinho de batatas; quase ao mesmo tempo em que o rapaz de boné que dormira com o disc man ligado despertou e desembrulhou logo um bombom. Aquele silêncio de morte fora interrompido pelos insistentes maxilares daqueles viajantes. Meus pensamentos à mil e meu estômago embrulhando com todo aquele cheiro de comida industrializada.

Eu ali, com vontade de chorar por todos os motivos do mundo. Um nó prende a voz na garganta. Não me permito esboçar nenhuma dor ali, no meio de tantos desconhecidos.

Nem uma nuvem no céu. E me pego pensando na morte.
Quando morremos,para onde iríamos, afinal? Seria possível encontrar os entes queridos que já partiram há muito? E os que partiram há pouco, de surpresa, cuja perda parece nem ter sido registrada pelos sentidos, que parecem anestesiados? Há de fato alguém nos esperando em algum lugar? Com vestimentas claras, feições angelicais e tempo infinito para nos explicar pacientemente os mistérios inacessíveis aos mortais da Terra?

Não tenho medo da morte. Tenho medo da solidão. Não essa solidão a que já nos acostumamos; de ver rostos mas desconhecer as identidades, os desejos, os defeitos, a essência. Acostumei-me a ver sem enxergar. Todos nos acostumamos. Falo da solidão absoluta; da completa impossibilidade de comunicar-me; manifestar sentimentos; tocar e poder perceber as coisas. Choro. Começo a soluçar. Como criança, exteriorizo todo o pesar da perda, e a angústia que fustigava meu peito. Olhares discretos e prestativos são dirigidos a mim. Não pronunciei palavra, mas foi como se naquele momento todos ali soubessem o motivo exato do meu choro; complacentes, como se dispusessem-se a dividir aquela dor comigo.

Da janela entreaberta um vento calmo toca meu rosto. Fui placidamente respondida. Nunca estamos sozinhos.